sábado, 30 de setembro de 2017

As mães medeias - Analdino Rodrigues Paulino


Apesar da Lei da Guarda Compartilhada, de 2014, na maioria dos casos a Justiça dá às mulheres a responsabilidade sobre os filhos - e muitas usam isso para afastá-los do convívio com os pais

Na tragédia grega Medeia, de Eurípedes, escrita em 431 a. C., uma mulher carregada a um só tempo de ódio e de amor decidiu vingar-se do marido, Jasão, que a abandonara por outra. Para afastar os filhos definitivamente do pai, ela matou as duas crianças do casal.

Medeia foi o primeiro registro do que hoje se conhece como alienação parental. O adjetivo refere-se à palavra parente, pois geralmente é um familiar que dificulta o acesso de um dos genitores - o pai ou a mãe - aos filhos. Pela experiência que temos dentro da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), contudo, são os homens, assim como Jasão, os que mais se queixam da alienação parental. Muitos foram separados de seus filhos pela ex-mulher e precisam mendigar e lutar incansavelmente para conseguir uma razoável convivência com suas crianças e seus adolescentes. Eles são vítimas das "Medeias" brasileiras.

O fato de os pais separados sofrerem mais com essa privação não é uma decorrência de que as mães sejam piores do que  eles. Essa disparidade ocorre por uma questão estatística. Na maior parte das separações, são elas que ficam com a guarda unilateral dos filhos. É algo que já não deveria acontecer. Desde 2014, a lei estabelece que , quando não há acordo entre a mãe e o pai, deve-se optar pela guarda compartilhada. Com esse expediente, ambos os genitores devem dividir entre si as responsabilidades, o tempo e a atenção com as crianças.

A despeito da legislação, nosso Judiciário é conservador e tem dificuldades em aplicá-la. Embora homens e mulheres sejam iguais perante a lei, isso geralmente não é levado em conta após a separação. Em muitos casos, os juízes usam apenas o livre-arbítrio para tomar suas decisões. Em 2015, um ano depois de a lei ser aprovada, o IBGE concluiu que 86% das guardas eram unilaterais e dadas às mães. As compartilhadas representavam apenas 13%. O que restava disso tudo - ou seja, apenas 1% - eram os casos em que a guarda ficava com o pai, com os avós, com os tios ou com outras pessoas. Os pais, portanto, raramente ganhavam a guarda unilateral. Em todo o território nacional, Brasília era a cidade com a maior proporção de guarda compartilhada: 25%. São Paulo, onde o Judiciário é mais conservador, tinha um dos menores índices: 9,5%.

Favorecidas por nossos juízes, as mulheres, então, têm mais chance de usar o poder que recebem de uma forma despótica. Além de tentarem barrar o acesso do ex-marido aos filhos e apagar sua figura, elas também podem querer dominar a relação com as crianças ou com os adolescentes. Não é raro que um pacto de lealdade seja estabelecido entre a mãe e os filhos. Mesmo que aproveite os momentos que tem com o pai, a criança pode querer esconder essa satisfação da mãe. Pode até mesmo dizer a ela que foram negativos os passeios e os dias passados com ele. Com o tempo, também pode acontecer de os filhos começarem a contribuir com a mãe nos atos de alienação parental, o que costuma destruir os vínculos com o pai de tal maneira que eles dificilmente poderão ser recompostos no futuro. À medida que a alienação parental evolui, cresce também a violência contra os pequenos. No limite, essa realidade pode assumir sua forma mais perversa, quando a mãe faz uma falsa acusação de abuso sexual contra o pai.

A acusação de abuso sexual é, sem dúvida, a mais grave que alguém pode receber. Seja qual for o caso, é imperativo que ele seja investigado e que a justiça seja feita. Na nossa avaliação, porém, um número desproporcional dessas denúncias é falso, já que o objetivo é apenas isolar o pai. Segundo um levantamento feito em 2012 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as falsas denúncias de abuso sexual chegavam a 80% dos registros nas varas de família da capital do estado. Mesmo nos casos em que a acusação contra o pai é falsa, os prejuízos são enormes. Essas investigações tomam tempo. Quando o pai é finalmente inocentado, sua relação com o filho acaba comprometida pela perda dos vínculos, sobretudo o afeto e a confiança. As feridas ficam para sempre.

Entre os problemas perceptíveis em crianças e adolescentes que passam pela alienação parental estão a apatia, a introversão, a diminuição do interesse na escola e a dificuldade de relacionamento com amigos e colegas. Nos casos mais graves, as crianças podem fugir de casa, fazer sexo precocemente, envolver-se com drogas ou entrar na prostituição. Também há relatos de autoflagelação e tentativas de suicídio. Não bastasse tudo isso, ao chegar à idade adulta, a maioria das pessoas que suportaram a alienação parental na infância ou na adolescência acaba por envolver os próprios filhos em comportamentos similares, promovendo um triste círculo vicioso.

No Brasil, um terço dos casais se separa e novas famílias são formadas. Cerca de 35% de todos os divórcios são litigiosos e danosos aos filhos. São 80 000 mães atirando-se contra 80 000 pais, e vice-versa, por ano. Ainda que uma lei de 2010 tenha sido criada para evitar a alienação parental, a norma não tem conseguido estancar a sangria e promover o bem-estar e o equilíbrio entre muitas crianças e adolescentes. Pais e mães separados precisam entender que não devem envolver os filhos nas rixas de casal. Eles não podem ser usados como moeda de troca em infindáveis lutas judiciais em que só há perdedores. Os filhos continuarão sendo dos dois, que manterão a responsabilidade e o dever de criá-los a quatro mãos.


(texto publicado na revista Veja edição 2545 ano 50 nº 35 - 30 de agosto de 2017)

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Contra a crise, museus - Mariana Barros


Em meio à instabilidade econômica, o Brasil assiste ao florescimento de mais de uma dezena de novos museus que apostam em tecnologia em vez de acervos próprios

A cultura tem sido historicamente o rio onde deságuam as crises econômicas brasileiras. Quando o dinheiro público e privado começa a escassear, são os projetos arquitetônicos, artísticos ou literários os primeiros a ir para o sacrifício. O Brasil, no entanto, encontra-se hoje na contramão dessa tendência. Nos próximos cinco anos, nada menos que doze centros culturais vão desapontar em cinco estados brasileiros. Só até o fim deste ano, cinco projetos do gênero terão sido inaugurados no país: Manaus ganhará o Museu Olímpico e São Paulo, além do Japan House, aberta em maio, passará a contar com as novas unidades do Instituto Moreira Salles, do Sesc Paulista e do Centro Cultural Fiesp. Em 2018, a lista deve crescer com a abertura do Museu Judaico, também em São Paulo, e do Museu da Imagem e do Som (MIS) no Rio. Outros três projetos - o Museu da Natureza, no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, o Museu da Cidade, em Manaus, e a Praça Cívica, em Goiânia - deixarão de ser maquete para virar realidade até 2022. Os únicos ainda sem prazo para inauguração são o Museu da Escravidão e o Museu do Holocausto, ambos no Rio.

Esses centros marcam o início de uma nova geração de espaços culturais que fogem do modelo tradicional de museu com acervo próprio e exposições periódicas. Saem as coleções centradas em períodos históricos e ofertadas por benfeitores e entram a tecnologia, a interatividade e as exposições itinerantes. O modelo das grandes coleções, dizem os especialistas, envelheceu e vem sendo substituído pelos chamados "museus de identidade", aqueles que versam sobre aspectos culturais específicos.

Um dos primeiros do gênero foi o Museu Cais do Sertão, no Recife, que gira em torno da cultura sertaneja e da obra de Luiz Gonzaga. Foi aberto em 2014. No ano seguinte, foi a vez do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, que explora os caminhos da ciência em um edifício de mais de 200 milhões de reais projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava; e do Museu de Congonhas, em Minas Gerais, voltado para a obra de Aleijadinho (1738-1814).

O Museu da Natureza, no Piauí, seguirá a mesma trilha temática. Localizado em meio à área de sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara, ele vai detalhar as transformações geológicas, climáticas e biológicas ocorridas no mundo ao longo das eras. A proposta partiu da arqueóloga Niède Guidon. O Museu da Cidade, em Manaus, pretende explicar o surgimento da capital amazonense a partir dos diversos fluxos migratórios. Já a Praça Cívica de Goiânia, em Goiás, reunirá um conjunto de museus, além de casas de espetáculo e biblioteca, como parte de um plano com vistas a revigorar a região. A reforma realizada dois anos atrás deu vida nova a prédios históricos, mas não conseguiu fazer como que o lugar fosse frequentado pela população.

Em São Paulo, o segundo semestre do ano consolidará a região da Avenida Paulista como a primeira museum mile brasileira (a expressão, que significa "milha de museus" em inglês, é usada para definir, por exemplo, a Quinta Avenida, em Nova York, onde há diversos museus). Em maio último, a Paulista passou a sediar a Japan House, vitrine do Japão contemporâneo instalada em um edifício assinado por Kengo Kuma, expoente da arquitetura atual. Até o fim do ano, a avenida deve ganhar uma nova unidade do Sesc e outra grande estrela: o Instituto Moreira Salles (IMS). A sede renovada do IMS no Rio de Janeiro foi ianugurada no fim de 2015. A unidade de São Paulo está prevista para abrir no próximo dia 22 de agosto, com uma exposição inédita da série de fotografias The Americans, do fotógrafo suíço Robert Frank (o artista, que completou 92 anos, estará presente na mostra). O projeto do instituto, que conta com um acervo de 2 milhões de fotografias, é do escritório de arquitetura Andrade Morettin.

A notícia não tão boa assim é que o florescimento de tantos museus em plena crise não sugere o fim do paradigma que põe a área cultural entre as primeiras vítimas de qualquer abalo econômico no Brasil. A máxima, infelizmente, continua valendo. O que ocorre hoje é que alguns dos maiores empreendimentos em curso contam com financiamento externo (caso do Japan House, um investimento do governo japonês) ou privado (situação do Instituto Moreira Salles). Quanto aos demais centros culturais, a maioria foi planejada entre 2010 e 2013, quando a crise não era aguda. Seja como for, uma crise com boom de museus será sempre melhor que uma crise sem eles. Como diz Flavio Pinheiro, superintendente do IMS, a cultura, muitas vezes, não está nos planos de ninguém. Mas é uma forma de reagir às adversidades.


(texto publicado na revista Veja edição 2540 - ano 50 - nº 30 - 26 de julho de 2017)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Primeiro fique sozinho - Osho


Primeiro fique sozinho.
Primeiro comece a se divertir sozinho.
Primeiro amar a si mesmo.
Primeiro ser tão autenticamente feliz, que se ninguém vem, não importa; você está cheio, transbordando.
Se ninguém bate à sua porta, está tudo bem – Você não está em falta.
Você não está esperando por alguém para vir e bater à porta.
Você está em casa.
Se alguém vier, bom, belo.
Se ninguém vier, também é bom e belo
Em seguida, você pode passar para um relacionamento.
Agora você se move como um mestre, não como um mendigo.
Agora você se move como um imperador, não como um mendigo.
E a pessoa que viveu em sua solidão será sempre atraído para outra pessoa que também está vivendo sua solidão lindamente, porque o mesmo atrai o mesmo.
Quando dois mestres se encontram – mestres do seu ser, de sua solidão – felicidade não é apenas acrescentada: é multiplicada.
Torna-se uma tremendo fenômeno de celebração.
E eles não exploram um ao outro, eles compartilham.
Eles não utilizam o outro.
Em vez disso, pelo contrário, ambos tornam-se UM e desfrutam da existência que os rodeia.


Osho

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Esculpir nosso coração - Andrea Cabral


O talento de Michelangelo Buonarroti, tão evidente nas esculturas Pietà, Davi e em todas as suas notáveis obras, levou-me a pensar de que maneira podemos esculpir nossa própria vida.

"O escultor se volve do mármore para seu modelo, a fim de aperfeiçoar sua concepção. Todos nós somos escultores, que trabalhamos em formas variadas, modelando e cinzelando o pensamento. (...) Precisamos formar modelos perfeitos no pensamento e contemplá-los continuamente, ou nunca os esculpiremos em uma vida sublime e nobre." A pensadora metafísica Mary Baker Eddy escreveu isso em um de seus livros.

Para mim, a arte de esculpir está muito relacionada com tirar o excesso, limpar e descobrir o que já existe. Ao refletir sobre os sentimentos, emoções e pensamentos, pergunto-me se, assim como basta limpar uma janela suja para enxergar bem a paisagem do lado de fora, o mesmo aconteceria se eliminássemos a irritação, o rancor, a inveja e outros sentimentos ruins para ver bem a outra pessoa.

Por exemplo, em vez de dizer: "É assim que eu sou", o que aconteceria se nos identificássemos cada vez mais com qualidades como a empatia, a paciência e a alegria? Isso é desenvolver um coração nobre, esculpi-lo diariamente, arrancar o que não serve ou o que prejudica, limpá-lo e colocar nele somente qualidades que enriquecem. Isso seria refinar os afetos e levá-los às suas expressões mais puras. Eu acho que com esse ideal só podemos alcançar saúde e felicidade.

A Dra. Mimi Guarnieri, especialista em cardiologia e autora do livro "El corazón habla" [O coração fala], mostra a estrita relação que existe entre as emoções e o coração, como este se altera devido a elas. Segundo suas pesquisas, quando sentimos alegria, gratidão e tudo quanto possa ser chamado de emoções positivas, os batimentos cardíacos se harmonizam.

Se pensarmos nessa relação, acredito ser necessário refletir sobre as emoções que nos causam dano e deixar de lado o mau humor, a raiva e o rancor, por exemplo. Muitas pessoas têm comprovado o famoso ditado "Querer é poder", e para isso é importante que nos perguntemos: "Quero enxergar em mim mesmo problemas ou boas qualidades, como a bondade, o bom humor, a tolerância e a paciência?".

Se tivermos o desejo de alcançar algo bom, nós o conseguiremos. Além disso, esculpimos, limpamos e trazemos essa bela imagem à luz, aquilo que realmente somos, e trocamos a expressão: "Meu coração está partido" por esta outra: "Meu coração se enche de felicidade".

Algumas ideias para conseguir um coração saudável são:

1 - Lançar fora a irritação, a intolerância e o hábito de culpar-se a si mesmo.

2 - Ver que esses sentimentos são algo que não pertence à nossa natureza espiritual.

3 - Amar-se a si mesmo, despojar-se do que não serve e cultivar boas qualidades.

Começar com esses pequenos passos faz uma grande diferença na vida. Não importa onde estejamos, sempre podemos caminhar rumo ao bem-estar. Manter esse objetivo no pensamento nos dá força para seguirmos adiante e alcançá-lo.



(texto publicado na revista Sempre Jovem ano V, nº 16 - 2015)

terça-feira, 19 de setembro de 2017

As quatro pontes para se libertar do medo - Roberto Shinyashiki


Para que você se veja livre da espada que paira sobre sua cabeça e viva de maneira mais leve e criativa, observe, confie, tenha alto astral e deixe a vida fluir.

Primeira ponte: observação

Antes de reagir ao medo que está sentindo, você deve observar: o que está acontecendo? Existe uma ameaça?

Não aja precipitadamente, pois pessoas com medo machucam quem está por perto, fogem ou atacam, e seus surtos de irritação quase sempre decorrem da insegurança.

A consciência é a melhor forma de sair do círculo vicioso medo-ataque-medo.

Portanto, não procure relaxar a respiração, pois isso aumentará a tensão. A palavra "angústia" vem do termo "contração". Simplesmente observe e fique em contato consigo mesmo por alguns minutos.

A seguir, comece a verificar seus pensamentos: o que está acontecendo em sua mente? Nossas reações nascem de nossos pensamentos, se eles forem negativos, produzirão ações que, depois, provocarão arrependimento.

Seus pensamentos irão se realizar. Portanto, esteja atento a eles: se neles existirem desgraças, elas acontecerão; se neles existir felicidade, é a felicidade que brotará.

Observe suas ações. A maioria das pessoas age sem consciência e somente tem noção dos seus atos depois que não restou outra saída senão o arrependimento. Arrepender-se e desculpar-se são atitudes generosas, mas o melhor é evitar que sua impulsividade provoque estragos.

Segunda ponte: confiança e fé. Acredite!

Quando você deixar que a vida tome conta, começará a perceber o quanto tem sido abençoado. Libertar-se do medo é como pular de um trampolim. Quando você se entrega, salta em direção à vida. Esse é o salto da fé.

Viver a ilusão de ter uma espada sobre a cabeça é como estar à beira do trampolim, mas não ter coragem de mergulhar. Adquirir essa coragem significa encarar a vida com todos os seus riscos, desfazer a assustadora visão de perigo por todos os lados.

A fé é a mais intensa ligação entre o plano espiritual e o material. Ela fornece uma força maior, capaz de nos levar à realização, à criação e à superação de nós mesmos.

Fé é diferente de esperança. A segunda convida a uma passividade que nos mantém presos a uma sensação de sermos vítimas do destino. A fé nos confere energia para agir, e é a certeza de que a vitória virá que nos dá força para batalharmos todos os dias.

Perceba que Deus o protege em todos os setores da sua vida. Quando ocorre a integração com o divino, você relaxa as tensões, se descontrai e aproveita melhor os momentos da vida.

Concentre-se inteiramente no que você faz, pois viver sem dúvida é a melhor de todas as metas, é abandonar o medo. 

Não procure o sofrimento, mas, se ele fizer parte da conquista, enfrente-o e supere-o.

Terceira ponte: alto astral

Alto astral é energia positiva. É a capacidade de transcender aos acontecimentos dolorosos da vida. 

Quem tem uma postura muito séria e carrancuda não deixa fluir a criatividade. A atitude positiva consegue transformar o pântano em jardim.

O pessimista acredita que eventos negativos têm origem em condições definitivas. Se perde a hora do voo é porque sempre dá azar com avião. Se o chefe elogiou, é porque queria que fizesses hora extra. Esse pessimismo permite que uma decepção em determinada área de sua vida invada o restante dela.

O otimista,  ao contrário, atribui uma falha a um motivo circunstancial. Para ele, as situações favoráveis são causadas por fatos permanentes: "Meu marido trouxe flores para mim porque me ama". Eles não permitem que um problema específico contamine as demais áreas de sua vida.

Comece a cultivar dentro de você o alto astral, o comportamento positivo; brinque com os reveses da vida, enfrente com bom humor até as situações mais complicadas.

O alto astral é uma forma de ver a vida. Portanto, é diferente do prazer. Quando falamos de prazer, inevitavelmente pensamos em sexo, comida, lazer. O alto astral é bem mais que isso. É um gesto de generosidade para com a vida, com os erros, com as dificuldades.

A seriedade leva ao julgamento; o alto astral,  à compreensão. Quando alguém está feliz, não perde tempo nem energia julgando os outros.

Quarta ponte: fluidez

Fluidez é uma característica relacionada à sua capacidade de ser espontâneo e levar a vida com facilidade, deixando tudo transcorrer naturalmente, como a água cristalina de um riacho.

Fluir é atravessar espaços vazios para realizar encontros. Muita gente quer ser dona da vida alheia e acaba provocando tensão ao seu redor.

Não existe uma verdade única, mas muitos caminhos, diversos pontos de vista para a mesma questão.

Quando os Dâmocles fluem, percebem, por exemplo, que a pessoa amada não os está rejeitando, que o distanciamento é apenas aparente. Notam então que é timidez, dificuldade de expor sentimentos. Cabe a eles brincar com o mal-entendido, fluir ao encontro do outro.

No sexo, o outro é a porta da vida. Flua através dele.

Você precisa aprender a ter a força da água, que, como não é dura como a pedra, sempre chega aonde quer pelos caminhos alternativos que encontra, amoldando-se às situações sem perder sua natureza e suas características.

O medo é uma cortina que impede a pessoa de enxergar o arco-íris da vida! Rasgue essa cortina e veja quantas maravilhas existem ao seu redor. Observe quantas pessoas o admiram e quantas são mais felizes porque você as ajudou.


(texto publicado na revista Sempre Jovem - ano V - nº 16 - 2015)

Entrevista com Leandro Karnal (Programa Mais Você)


domingo, 10 de setembro de 2017

A saga das correções e atualizações automáticas - Walcyr Carrasco


O corretor automático do celular deve ter sido criado por uma velha fuxiqueira que quer ver briga

Você tem ideia do que é escrever uma novela? Não estou falando da parte glamourosa da vida de um escritor. Mas da labuta, da transpiração aliada à inspiração. São páginas e páginas por dia. Entro em uma espécie de transe. Mergulho na história. Certa vez um acupunturista me aconselhou a fazer algum tipo de alongamento a cada meia hora. Expliquei que é impossível. Esqueço. Começo a escrever. Quando vejo, o tempo passou. É um processo de entrega total. O mesmo acontece com meus livros, peças de teatro. Vou fundo.

Tudo seria perfeito se não fossem as atualizações automáticas. Estou escrevendo. De repente, vem um aviso. Dentro de 15 minutos meu computador será reiniciado por causa de uma atualização. Mas eu não posso reiniciar meu cérebro. Estou, como dizem os especialistas em produtividade, em “flow”, fluindo, vivendo minha nova história, a novela O outro lado do paraíso, que estreará na Globo em outubro. Portanto, não aceito. Ok. Dali a dois minutos volta o aviso. Vem e vem sem parar. Até que eu desisto, paro de trabalhar e espero atualizar e reiniciar. Imagine isso às 2, 3 da manhã. É o horário que costuma acontecer. Tranquilo, não? Quem inventou certamente é contra todos os escritores da face da Terra, que costumam trabalhar à noite. Mordo o teclado. É o que me resta. Se consigo evitar, quando durmo ele faz a atualização. No dia seguinte, o programa está diferente. Fico maluco até entender as mudanças. Mas aí, é claro, está na hora de nova atualização...

De todos os meus conhecidos, fui o primeiro a ter computador pessoal. Quando todo mundo ainda usava máquina de escrever. Passava horas decifrando programas, via mapas astrais, ouvia música, lia livros que só existem na internet. Escrevi minhas primeiras novelas nos primeiros computadores lançados no país, máquinas horrendas e lentas. Céus, sou do tempo do Orkut! Mas os programas mudaram. Atualizações e mais atualizações. Perdi o pé. Até em sites de compras me confundo. A Amazon brasileira, por exemplo. É tanta vontade deles de vender livro virtual que não consigo achar os físicos. Não sei mais baixar músicas. Não encontro música nenhuma. Depois de muitas atualizações, as bibliotecas virtuais tornaram-se atividade para iniciados.
Mas nem tudo está perdido.

Outro dia estava confuso no celular. Minha secretária do lar ofereceu ajuda. Explicou.

– Meu filhinho de 4 anos acha tudo!

Humilhação. O fato é que os mais novinhos também passaram por alguma atualização, que ainda não entendi.

Quem não odeia correção automática de texto em celular? Quem? Quem?

É um horror. O corretor automático me trai. Aposto que trai você também. Se digo que vou descansar, ele troca por desgastar, e de repente estou no meio de uma longa DR. Objetivo: descobrir por que a relação está desgastada. Explico que foi o corretor. Quem acredita? Uma amiga escreve que vai na TV. Explico que não estarei lá, trabalho em casa. Após um diálogo confuso, ela descobre que o corretor trocou “vi” por “vou”. Ela apenas viu um programa na TV e queria me indicar. Mas eu já fui grosso dizendo que não estaria lá. E ela entendeu que não me interessei pela dica que ela queria passar. Outro exemplo: Fui escrever “fala”. Mas botei um “l” a mais sem querer, “falla”. O corretor trocou por “Callado”, o dramaturgo, mas que lembra uma ordem impondo silêncio... quem leu, obviamente, não gostou muito. Fiquei um tempo tentando me explicar. Agora pouco quis escrever “importar”. Esqueci do “r” e foi “impotar”, ok. Mas o corretor tinha de trocar por “impotente”? Pronto, mais um amigo ofendidíssimo. O corretor automático de celular deve ter sido criado por uma velha fuxiqueira cujo maior objetivo é provocar rixas entre usuários de mensagens.

E correção em computador? Escrevo as falas de um personagem caipira. O corretor muda. Vou em cima, refaço. Nova correção. Depois, pontilhado vermelho embaixo de cada palavra considerada “errada”. Mas e se o personagem fala errado? Pronto, tiro as correções automáticas de texto. Acredite ou não, elas voltam, misteriosamente. Estão cravadas no interior do programa. Eu me debato. Quase choro.

Simplesmente queria saber: por que não posso voltar aos bons tempos em que podia usar um programa simples? Apenas adequado a minha principal atividade, que é escrever? Por que tenho de me tornar um expert em computador? Ixi, não posso continuar. Um aviso que meu antivírus está expirando insiste em piscar na minha tela. Fecho. Ele volta. Fecho. Ele volta. Socorro!


(texto publicado na revista Época - junho de 2017)

E se todo mundo virasse vegano? - Tiago Cordeiro


Volta o verde

Sem precisar desmatar para dar espaço ao gado ou para cultivar alimentos para ele, poderíamos usar boa parte da área restante para recuperar florestas. Seria necessário fazer um alto investimento, porque o solo usado para pasto é bastante degradado, mas valeria a pena para melhorar a qualidade do ar e a variedade dos ecossistemas do planeta.

Abre a porteira!

Teríamos que lidar com quase 25 bilhões de animais sem função, porque, subitamente, não teriam mais valor econômico. São 1,4 bilhão de cabeças de gado, 1,9 bilhão de ovelhas e cabras, 980 milhões de porcos e 19,6 bilhões de galinhas. Devolvê-los para a natureza provocaria a morte da maioria. A melhor solução seria colocá-los em reservas onde seriam mantidos vivos. Mas como essas reservas iriam se sustentar financeiramente?

Pobres com fome

A carne é uma fonte barata de proteínas importantes para manter um organismo humano em pé. Dietas mais saudáveis são mais caras: seria preciso estimular a agricultura local dos países em desenvolvimento para melhorar a distribuição de legumes e frutas, que muitas vezes são mais difíceis de preservar sem estragar. Nos países mais pobres, que mais dependem da carne, esse é um cenário difícil de colocar em prática.

Choque cultural

Muitas regiões têm a carne como parte essencial de sua cultura. Elas seriam descaracterizadas - imagine o Brasil sem churrascarias, os EUA sem hambúrgueres, o Japão sem sushis. Além disso, povos nômades carregam o gado consigo, porque eles servem para transportar peso e também como fonte de comida. Eles se veriam forçados a migrar para as cidades, aumentando o inchaço populacional e a pobreza.

Ar limpo

A poluição cairia muito, porque a pecuária emite uma quantidade colossal de poluentes - desde o gás metano, muito liberado por esses animais, até a fumaça gerada pelo transporte da carne. Atualmente, cerca de 25% de todas as emissões de gases poluentes do planeta são provocadas pela agropecuária - comer 100 g de carne todos os dias significa emitir 99 kg de CO2 em um ano. Com o fim do consumo de produtos de origem animal, essa parceria cairia cerca de 70%.

Adeus, computadores

Diversos produtos contêm algum tipo de substância extraída de animais. A lista inclui desde itens mais óbvios, como roupas, até sacolas plásticas de mercado, perfume, xampu, açúcar, cigarro, desodorante, pasta de dente, batom, pneu de carro, giz de cera, camisinhas, filmes fotográficos e até mesmo computadores. Num mundo vegano, anda disso poderia mais existir, a menos que a ciência achasse substitutos viáveis.

Mais terra

Teríamos mais espaço para plantar, sem precisar desmatar florestas, um terço de toda a área cultivada do planeta não produz alimentos para nós, humanos, mas sim para os animais que consumimos. Com o fim da pecuária, liberaríamos uma porção de terra equivalente à África inteira. Também economizaríamos água: gastamos 15 mil litros para produzir 1 kg de bife e só 300 litros para 1 kg de vegetais.

Todo mundo na rua

Caso, subitamente, todo mundo parasse de comer carne de qualquer tipo, além de derivados de leite de vaca e de ovinos em geral, o impacto para a economia seria descomunal. O 1,5 bilhão de pessoas (20% da população mundial) que hoje trabalham na pecuária, na avicultura e na pesca ficariam desempregadas. Realocar tanta gente seria bem difícil, especialmente em países como o Brasil, onde o setor gera R$ 400 bilhões todos os anos, ou a Indonésia, onde os peixes são essenciais para a economia.

Vida saudável

No caso de os problemas socioeconômicos serem resolvidos e todos os habitantes do planeta terem acesso a uma alimentação sem carne, seriam evitadas 7 milhões de mortes por ano daqui até 2050. Isso porque a alimentação excessivamente dependente de proteína e gordura animal provoca doenças cardíacas, diabetes, derrames e alguns tipos de câncer. A redução nos gastos com saúde pública seria da ordem de 3% do PIB mundial.


(texto publicado na revista Mundo Estranho edição 199 - setembro de 2017)

Diário de vida: A arte de ouvir - Reinaldo Passadori


Hoje o  padre Adão disse na missa que nascemos com dois ouvidos e uma boca por uma razão: termos a disponibilidade para ouvir mais e falar menos. Ele falou também sobre o excesso de informações e a necessidade (eu diria vício) de fazer mil coisas ao mesmo tempo. As pessoas perderam o foco e a dispersão tem tomado conta do mundo. A maioria das pessoas quer ver, falar e estão perdendo a capacidade de ouvir, de sentir o outro. 

Vou transcrever um texto que vem bem a calhar.

Perceber, reconhecer, entender, compreender, valorizar, dar atenção, respeitar... São vários nomes diferentes para um processo tão simples, mas ao mesmo tempo tão difícil de ser praticado: ouvir, de fato, o outro.

Ouvir não significa simplesmente escutar os sons da voz ou acompanhar o raciocínio do interlocutor. Significa, antes de tudo, ter paciência e tolerância para aceitar a outra pessoa como ela é, com suas qualidades e seus defeitos, crenças e emoções, com sua aparência, quer nos seja agradável ou desagradável, sem pré-julgamentos. Concordo com quem disse que esse não é um processo fácil, embora pareça tão elementar.

Vamos analisar um pouco as causas dessas dificuldades. É muito comum compararmos o mundo ao nosso próprio referencial de vida, de como percebemos o mundo, que passa a ser o "nosso mundo". Incluem-se aí os nossos valores, conceitos e preconceitos.

Além disso, as pessoas aproximam-se pelas semelhanças e não pelas diferenças, desmistificando a crença popular de que os opostos se atraem. Se observarmos bem, antes da diferença há muita convergência, situações comuns, similaridades que atuam como facilitadoras de um processo de entendimento e consideração e a partir daí eventuais diferenças de caráter, atitudes ou comportamentos passam a configurar uma relação afetiva.

Se observarmos bem, quando admiramos uma pessoa dizemos: "Que pessoa extraordinária! Que pessoa agradável! Que pessoa simpática!" Enquanto isso, lá no fundo, um outro comentário quase imperceptível complementa... tão parecida comigo!" Também fica fácil entender tal atitude por outra simples razão: só percebemos qualidades e defeitos nos outros quando nos chamam a atenção porque em potencial essas características existem em nós mesmos.

Se precisamos falar com o outro de verdade, primeiro é necessário querer e esse querer precisa ser um desejo, uma vontade inquebrantável que não nos fará desistir diante da primeira adversidade. Depois, devemos ter e exercitar a flexibilidade, colocando-nos no lugar do outro, empaticamente.

Aliás, empatia é isso mesmo: ajustar-se ao estilo, momento psicológico, crenças e valores do mesmo interlocutor e nessa projeção conseguir melhor entendimento. Algumas sugestões importantes para quem, de fato, deseja ouvir de verdade outra pessoa e, a partir daí, abrir uma porta de entrada para o relacionamento: amizade, vendas, negociações, lideranças, amor, etc...

Olhe nos olhos da outra pessoa e perceba-a nos seus detalhes, esteja com a atenção focada e envolvida com ela.

Procure manter a calma, evite deixar-se dominar por algum preconceito ou algo de outra pessoa que desagrada.

Tenha paciência, saiba aceitar o silêncio da outra pessoa.

Evite contradizer o outro, evitando as palavras "mas", "todavia", "entretanto", "contudo". Procure, antes de qualquer discordância, algum ponto com o qual vocês concordem.

Valorize e respeite as opiniões de seu interlocutor.

Demonstre respeito pelo outro como o outro é, e não como gostaria que fosse.

Crie condições favoráveis para o outro expressar livremente suas ideias e opiniões, saiba ter tato para lidar com a discordância.

Concentre as diferenças no campo das ideias e não permita que sejam levadas para o lado pessoal.

Certifique-se de que você compreendeu de fato o que o outro queria transmitir; repita, questione, pergunte, evite ao máximo interpretações infundadas.

Por último, faça bom uso do grande amor que você tem em seu coração para aceitar incondicionalmente as outras pessoas como são: cheias de defeitos, limites, preconceitos e, também, repleta de virtudes, sonhos, conhecimentos, de sentimento. Assim como você. 

Ouvir e escutar são duas ações diferentes. Ao longo do dia ouvimos muitas coisas, mas escutamos muito pouco. Quando ouvimos, não prestamos atenção profundamente, simplesmente captamos a sucessão de sons que são produzidos ao nosso redor. Enquanto que, quando escutamos, nossa atenção está dirigida a algum som ou mensagem específica, ou seja, existe uma intenção; nesse momento, todos os nossos sentidos se encontram focados no que estamos recebendo. Assim, as pessoas que sabem escutar os demais os acompanham em sua viagem pela vida.

Aprendendo a escutar

Um provérbio oriental diz: "Ninguém coloca mais em evidência sua má criação, do que aquele que começa a falar antes que seu interlocutor tenha terminado".

O que acontece é que, às vezes, quando estamos falando com outra pessoa, ambos temos a dificuldade de escutar, passando, em muitas ocasiões, a apenas ouvir enquanto elaboramos o que vamos dizer assim que o outro terminar, ao invés de prestar atenção ao que estão nos dizendo. Dessa forma, o diálogo fica bloqueado por pausas verbais, já que, se todos querem falar ao mesmo tempo e as razões de ambos não são escutadas, não há diálogo; há apenas monólogos se sobrepondo.

Saber escutar é uma atitude difícil, já que exige o domínio de si mesmo e implica atenção, compreensão e esforço para captar a mensagem do outro. Significa dirigir nossa atenção ao outro, entrando em seu âmbito de interesse e seu ponto de referência.

O diálogo exige uma atitude silenciosa, na qual se escuta atentamente. O escritor e orador J. Krishnamurti afirmava que "Escutar é um ato de silêncio". Enquanto não calarmos nosso diálogo interno e prestarmos atenção ao nosso interlocutor, não aprenderemos a escutar. Somente a atitude de escutar atentamente faz com que a resposta que daremos ao nosso interlocutor crie força. Se não abrirmos nossos ouvidos para escutar completamente, será difícil poder dizer ao outro algo que seja válido.

Se realmente escutarmos, a pessoa que fala sentirá que estão dando a ela a importância que ela merece, ficando agradecida e criando em si, dessa maneira, um clima de respeito, estima e confiança.

"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: 'Se eu fosse você... ' A gente ama não é a pessoa que fala bonito. E a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos. No tempo de Freud as pessoas procuravam os terapeutas para se curarem da dor das repressões sexuais. Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão." (...)

(Rubem Alves, em "Se eu fosse você" (do livro "O Amor Que Ascende a Lua")


(texto publicado na revista Leve & Leia nº 147 - ano 11 - edição agosto/setembro de 2017)

Diário de vida: São Francisco de Assis


Esse ano completo 30 anos de carreira como professora de italiano. E não me canso de repetir que a cultura italiana iria entrar na minha vida de qualquer jeito. No primeiro ano do ensino fundamental estudei em uma escola que foi fundada para atender aos paulistanos da comunidade italiana. E comecei a trabalhar com 17 anos em uma empresa italiana. Mas o mais incrível é como São Francisco de Assis sempre fez parte de minha vida. 

Moro há muitos anos em um bairro chamado Vila São Francisco. Quando estava no colégio a professora de filosofia nos deu como lição de casa irmos ao cinema assistir ao filme "Irmão sol, irmã lua" de Franco Zeffirelli. E tomarmos nota do que achássemos relevante durante a projeção. Devo ressaltar que o áudio era em inglês com legendas em português como é costume no Brasil.

Anos mais tarde quando morava em Reggio Calabria, a professora de cultura nos fez assistir ao filme "Fratello sole, sorella luna" dublado em italiano, como é costume nesse país. O filme era o mesmo, mas a edição não, o que mudou o ritmo da narrativa. 

Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a interpretação da canção-título. Em inglês é interpretada por Donovan, em italiano, por Claudio Baglioni.

E hoje na missa durante a comunhão tocaram a canção "Doce é sentir" que é a versão em português. 

Realmente hoje a missa foi muito especial, porque o Pe. Adão tem uma voz bem marcante e durante a homilia tratou do tema "viver, sobreviver e conviver" e ilustrou a exposição com exemplos de sua vida pessoal o que me prendeu a atenção e nem senti o tempo passar. 

Brother sun, sister moon - Donovan



Fratello sole, sorella luna - Claudio Baglioni



Doce é sentir - Elizabete Lacerda




sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Azeite de oliva: faz bem ou faz mal?


Se usado corretamente, o azeite é um grande aliado a saúde

O azeite de oliva é extraído das azeitonas, fruto das oliveiras. Dá para fazer uma coleção dos benefícios já identificados que este alimento traz para a saúde. O nutriente em evidência no azeite é a gordura monoinsaturada, necessária e indispensável ao organismo para manter diversas funções dentro do corpo e é por aí que começam os grandes benefícios oferecidos por ele. Além da gordura monoinsaturada, são encontrados na composição do azeite os polifenóis que são compostos antioxidantes fortíssimos, o famoso grupo dos ômegas ou ácidos graxos essenciais (ômega 3, ômega 7, ômega 9 e ômega 6), além das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), em especial a vitamina E que está em maior quantidade do que as demais.

Todos esses nutrientes e compostos são responsáveis pelos benefícios do azeite de oliva, dando a ele uma característica medicinal única com grande efeito preventivo na saúde. Cito os mais encontrados:

- Prevenção de arteriosclerose e proteção do coração;

- Proteção do cérebro, previne derrames:

- Prevenção do câncer;

- Efeito protetor do envelhecimento da pele;

- Ação nutritiva para pele, cabelos e unhas;

- Ação na redução das gorduras abdominais;

- Proteção da parede do estômago quanto a agressores externos;

- Auxilia no bom funcionamento do pâncreas;

- Melhora a saúde dos ossos.

Com tantos benefícios é impossível ficar sem ele diariamente na nossa alimentação.

Agora para que fique claro é importante compreender que tipo de azeite utilizar e que características ele deve apresentar para te oferecer tamanhos benefícios à saúde.

No mercado você irá encontrar o azeite extra virgem, com diversos tipos de acidez, irá encontrar também o azeite virgem, o azeite refinado e o azeite puro. Para obter todos os benefícios citados acima busque sempre pelo AZEITE EXTRA VIRGEM, e fique atento ao seu grau de acidez que deve ser menor do que 0,5% (,0,5%). Este tipo de azeite é extraído após a primeira prensagem a frio, portanto é mais puro e quanto menor a acidez, maior é a pureza e a garantia dos bons componentes.



(texto publicado no jornal Ponto a Ponto edição 507 - ano 8 - agosto de 2017)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Entrevista com Vincent Cassel - Marcelo Forlani


Gringo disponível


É assim que o ator Vincent Cassel, francês de nascimento e carioca por opção, define a si mesmo. E isso já se reflete nos três filmes que está lançando

Em novembro, o ator francês Vincent Cassel completa 50 anos, três dos quais radicado no Rio de Janeiro. E lança, quase seguidos, dois longos brasileiros: O Filme da Minha Vida, dirigido por Selton Mello, e O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues. Antes disso, chega ao cinema a produção francesa Meu Rei, em que dá vida a Georgio, playboy que se envolve em um relacionamento tumultuado. No papo com CLAUDIA, cortado por algum português, ele falou sobre os três:

Meu Rei retrata um estereótipo machista: o da dificuldade de comprometimento. Isso é um clichê ou é real?

Evito generalizar comportamento porque acredito que o indivíduo é mais importante que seu gênero, mas confesso que muitos homens vieram dizer que tinham se reconhecido em Georgio, mesmo que apenas em algum ponto da vida. Entretanto, sei que a agressividade do personagem é um sinal de fraqueza. Por isso, acho que nos salvaria entrar mais em contato com nosso lado feminino, mais sutil, profundo.

Os homens têm medo de explorar esse lado?

Claro! Por muito tempo fomos respeitados pela nossa força; aí tememos o terreno mais sensível.

O roteiro explora a falta de comunicação nas relações e o divórcio. Sua experiência (Cassel se separou a atriz Monica Bellucci em 2013, após 14 anos de casamento) mudou a construção do personagem?

Acredito que nascemos para nos reproduzir, e ser um casal faz parte disso. Questiono, porém, o "felizes para sempre". O laço do casamento para a vida toda não me parece natural. A estabilidade é confortante, mas precisamos mesmo é de amor. Não escolhemos por quem vamos nos apaixonar e, às vezes, quem você ama é justamente aquele que vai machucá-lo, como mostramos no filme.

Você fez alguns trabalhos no Brasil. Como foi isso?


A ideia de morar no Brasil não incluía trabalhar. Não me mudei para isso. Mas gosto de fazer parte da sociedade brasileira; ela é a minha por escolha. Não quero ser o gringo que vai e vem, quero ser o gringo disponível (risos). A oportunidade de trabalhar com Cacá Diegues, um dos últimos nomes do Cinema Novo, era imperdível: o Cinema Novo é como a nouvelle vague francesa, é um protesto artístico e político. E também não poderia recusar um filme com Selton Mello que, com Wagner Moura, conseguiu escapar do esquema de ser um ator de telenovela. Para mim, trabalhar com os dois é uma declaração de que estou para sempre no Brasil.



(texto publicado na revista Claudia nº 9 - ano 55 - setembro de 2016)



O filme da minha vida (trailer)





Como ser mais ético? - Daniele Martins


Ser ético é agir a favor da coletividade, pondo o bem-estar da sociedade à frente do seu. Parece simples, mas levar uma vida assim exige atenção constante aos dilemas do dia a dia. Veja como guiar suas escolhas

1) Entenda o que é ser ético

A ética é uma inteligência coletiva que estabelece os princípios para a boa convivência de uma sociedade. Não é um conjunto de leis determinado, é uma reflexão sobre aquilo que o grupo define por um período de tempo como referência de comportamento. Como a sociedade está em constante transformação, e como os valores nem sempre são absolutos (pense na sinceridade, por exemplo), o pensamento ético é algo que tem de ser trabalhado dia a dia.

2) Questione-se a cada momento

Justamente por não haver uma tabela com certo e errado, para ser ético é preciso fazer escolhas a todo tempo. E isso nem sempre é simples. São os chamados dilemas éticos. Eles podem ser grandes (você deve ou não pôr a vida de alguém em risco para salvar a de outras pessoas?) ou menores (você deve ou não desrespeitar uma lei de trânsito para chegar mais cedo e não deixar outras pessoas esperando?). Refletir sobre cada situação e sobre a melhor forma de agir diante dos dilemas é um exercício ético.

3) Aja como gostaria que todos agissem

Um dos caminhos para ser mais ético é agir com os outros como você gostaria que eles agissem com você. Parece básico, mas nem sempre nossas ações seguem instintivamente essa máxima. Quem questiona os políticos corruptos não deve aceitar presentes caros de um cliente. Se você acha roubar errado, deve avisar se receber um troco a mais. Se você quer que o seu trabalho seja valorizado, não deve comprar artigos pirata. É assim que se constrói uma cadeia virtuosa.

4) Esteja disposto a abrir mão

O melhor para você pode não ser o melhor para o grupo. E ser ético é priorizar a coletividade, mesmo que, para isso, a gente tenha que abrir mão de desejos e da sensação de que a nossa felicidade não tem preço. Sua vontade só deve ser permitida se não lesar a comunidade. Furar a fila porque você está com pressa, fumar escondido em local proibido, dar uma festança até altas horas, mesmo sabendo que há vizinhos querendo dormir. Pode? Volte ao item 2.

5) Assuma responsabilidades

Fuja de discursos como "é o sistema", "todo mundo faz" ou "sempre foi assim". Quando você justifica uma atitude que sabe que não deveria ter tido com frases como essas, está tentando se eximir de sua responsabilidade. Nós somos livres para tomar decisões, mas não podemos nos esquecer de que elas têm consequências e que somos responsáveis por elas. Uma boa medida é pensar se você ficaria desconfortável em contar o que fez em público. Se ficaria, não faça.

6) Não seja cúmplice

No limite, quem aceita uma atitude antiética também está sendo antiético. Se presenciar um caso de abuso moral no trabalho, denuncie. Se achar que colar é errado, não passe a cola. Se não concorda com quem sonega impostos, não aceite pegar menos por um serviço sem nota. Se for contra trabalho escravo, boicote fábricas que sujeitam seus trabalhadores a condições análogas à escravidão. Viver de forma ética não é fácil, mas faz diferença.



(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 56 - jul/ago de 2017)

Saudade não precisa doer - Sibele Oliveira


Quando estamos de bem com o passado, conseguimos olhar para trás com a sensação de ter vivido intensamente. Só não podemos deixar que ela ocupe todos os espaços do presente

Quando eu era adolescente, registrava tudo num diário. Recheava as folhas com detalhes cotidianos, segredos, confissões, frases bonitas e até guardanapos dos cafés por onde passava. Temia que se algo escapasse eu não pudesse recuperar mais. Mas alia minha história estava protegida. Assim como estavam bem guardados num baú dourado os souvenirs que trazia de viagens, fotos, cartas e cartões-postais. Com o tempo muita coisa se perdeu, mas ainda conservo boa parte dessas recordações. Elas permanecem no meu quarto, agora em uma caixa de madeira com estampa floral. Cada vez que a abro, meu mundo pretérito se revela em datas, caligrafias, mensagens bem-humoradas, desenhos, paisagens e perfumes. É quando entro no meu recanto particular de saudades.

Talvez ninguém consiga falar dessa companheira que nos segue por toda a vida com tanta maestria como os poetas. "De que são feitos os dias? De pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças", disse Cecília Meireles. Assim é a saudade. Uma ausência presente. Uma ponte que nos oferece acesso livre ao que há de mais intenso e marcante no nosso passado. Quando ela nos visita, traz consigo abraços, olhares, conversas, carícias, promessas, cenários, cheiros, músicas e sorrisos. Surge como um filme no qual somos protagonistas, com imagens vivas e sons nítidos que nos fazem reviver momentos especiais guardados na memória. O vocábulo saudade vem do latim solitas, que significa solidão. Sofreu variações para soidade, soledade ou suidade até chegar à forma como o conhecemos. Já foi considerado, algum tempo atrás, a sétima palavra mais difícil de se traduzir pela empresa britânica Today Translations, mas exprime um sentimento universal.

A saudade nos encanta porque funciona como uma máquina do tempo. Ela nos leva ao encontro de pessoas, mesmo que não possamos mais revê-las, nos transporta a lugares e épocas distantes. No livro A Filosofia da Saudade (editora QuidNovi), o autor Antônio Braz Teixeira reuniu diferentes filósofos que pesquisaram o sentimento a fundo. Um dos que exploraram essa características atemporal da saudade foi o português Eduardo Lourenço, que a definiu como uma sensação-sentimento que o homem experimenta de arder no tempo sem se consumir. Para o filósofo, a saudade tem um relógio próprio, que não obedece qualquer cronologia. É isso o que causa a impressão de que ela é eterna e a faz brilhar no coração de todas as ausências.

Não é por acaso que gostamos de sentir saudade, mesmo que ela nos deixe tristes, com uma ponta de solidão. "Existe uma tendência humana de repetir vivências prazerosas. Quando isso acontece, reativamos experiências infantis muito primitivas de completude, satisfação e felicidade", explica a psicanalista e filosofa Maria Vilela Nakasu. Apesar de nos permitir reviver tempos felizes, é importante não nos deixarmos envolver demais por esse sentimento, pois, dependendo da intensidade, ele pode fechar nossos olhos para o presente. O poeta Almeida Garrett alertou para esse risco: "Saudade é um suave fumo do fogo do amor que qualquer breve ausência basta para alimentar".

Deixe o rio levar

Juliana Tatala foi para São Paulo em 2010 para visitar um amigo, mas acabou encontrando um trabalho. Uma proposta irrecusável, já que a jornalista sempre foi atraída pela cultura, conhecimentos e experiências que a cidade oferecia. Deixou Uberaba (MG), sua terra natal, sem pensar duas vezes. No começo, tudo era novidade e a companhia de três amigos facilitou sua adaptação. Mas logo a saudade da família bateu. "Era um vazio desmedido. Mas a tecnologia chegou para encurtar a distância, trazer o aconchego, mesmo que na tela do celular. "O tempo passou e agora Juliana está novamente de mudança, pois surgiu a oportunidade de um novo emprego em Uberlândia (MG). E ela já está sentindo saudades antecipadas das amizades que fez e de momentos inesquecíveis que viveu na cidade, como um show da cantora Norah Jones que assistiu sentada na grama do Parque da Independência, ou das vezes que perdeu a noção do tempo folheando livros nas prateleiras de uma livraria. "Como todo final, esse traz um novo começo, repleto de desafios, expectativas e planos. Tão grandes como os que carregava quando cheguei a São Paulo. "

Nossa vida é repleta de chegadas e partidas, como as de Juliana. O ano começa e termina, amores vêm e vão, amigos surgem e desaparecem, cursos se iniciam e acabam, festas e viagens têm começo e fim. Deixamos e carregamos algo de nós em tudo o que vivemos, em cada ciclo que fechamos. Há pessoas que preferem parar em algum ou alguns desses ciclos, achando que jamais irão viver algo com o mesmo sabor. O que está por trás da atitude de querer morar no passado muitas vezes é um grande vazio existencial. Como a imperfeição do presente é desconfortável, preferem a zona de conforto do que já se foi, valorizando o que aconteceu de bom e jogando no lixo o que  foi ruim. Assim criam sua própria receita para suportar os aborrecimentos do dia a dia. 

É exatamente isso o que acontece com os nostálgicos. De origem grega, a palavra nostalgia deriva de álgos (dor) e nóstos (retorno) e expressa uma tristeza profunda causada pelo afastamento da pátria. Essas pessoas se sentem desse jeito. Fora do seu lugar. "Na nostalgia, a pessoa revive o passado acentuando os aspectos positivos dele, com a ideia de que perdeu algo que não pode recuperar. Ela afirma que o passado foi e continua sendo melhor que o presente, como um momento perfeito ao qual nunca poderá retornar a não ser por lampejos de lembrança. Há um brilho ligado a uma experiência única, intensa. Algo relacionado à plenitude, ao sublime, ao divino", afirma a psicanalista Maria Vilela. Mas felizmente há remédio para a nostalgia, que é parente próxima da saudade.

Aceitar a transitoriedade da vida é o segredo para sentir uma saudade boa, aquela que por um instante causa palpitação, uma sensação de vácuo que nos faz suspirar e entrar em transe, mas que quando passa nos deia com um sorriso no rosto. "Há um lado nefasto da saudade que se aproxima da melancolia. Ela é vivida como algo dilacerante, que desestabiliza e consome a pessoa por inteiro. É um sofrimento quase insuportável. É preciso fazer um trabalho de luto para que ela fique mais leve. E entender que a vida se transforma a cada momento. É importante desapegar, deixar ir embora, não reter o que se perdeu. Rupturas acontecem diariamente, à nossa revelia, e vão continuar acontecendo. Quanto melhor lidamos com a ideia da impermanência das experiências, mais facilidade temos de viver uma saudade gostosa", lembra.

Retocando o quadro das memórias

Maria Bethânia e Lenine cantam a saudade como um eterno filme em cartaz, na música que leva o nome do sentimento. O que a faz tão forte, até mesmo permanente, é a mistura de ingredientes da qual é feita: amor, ausência, desejo e pesar. Segundo o filosofo português Manuel Cândido Pimentel, a saudade é capaz de perpetuar os vínculos amorosos no infinito. Ela também é um elo entre nós e parte importante da nossa história, formado por uma trama única e intransferível, crucial para a manutenção da identidade. "A saudade é tecida de fios complexos e emaranhados, repetitivos e variações de um mesmo bordado. Quando se puxa um, se percebe sua intrincada relação com os muitos outros", analisa a filosofa Ivone Gebara, autora do livro O Que É Saudade (Brasiliense).

Usamos uma dose de imaginação quando fazemos da saudade um instrumento de reconstrução das memórias, pois nem sempre elas estão intactas nos arquivos da mente. Corrigimos imperfeições, aplicamos tintas mais vibrantes, acrescentamos um toque de sonho, usamos a lente com a qual enxergamos o mundo hoje. Assim, as remontamos como uma colcha de retalhos. Mesmo quand não há nada para realçar, a saudade treina em aparecer. O poeta Manoel de Barros descreveu isso muito bem. "Tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância." Mas é preciso tomar cuidado para não acharmos que se não alcançamos a plenitude em tudo, o quadro da nossa vida é preto e branco. Cada fase tem sua cor e beleza, mesmo em tons pastel.

O presente de viver o presente

Há momentos em que o melhor a fazer é deixar a saudade doer. No filme italiano Cinema Paradiso (1988), o bem-sucedido cineasta Salvatore Di Vita retorna à cidadezinha em que viveu na infância para o sepultamento do amigo projecionista que nunca mais viu. Seu passado todo vem à tona envolto em uma saudade densa. Surgem imagens dele como coroinha, na época em que era conhecido na cidade como Totó, escapando da igreja para ir ao cinema, manipulando a filmadora e seus rolos de filme e namorando a filha do banqueiro, um romance que terminou em desilusão. Muitos anos depois ele aparece dentro do cinema imerso em pó, examinando pedaços de rolo de filme no chão, pouco antes de o prédio ser demolido para dar lugar a um estacionamento. De volta a Roma, Salvatore assiste a uma fita em preto e branco que trouxe da viagem, que foi censurada pelo padre quando ele ainda era criança. Nela, beijos de vários casais apaixonados. Ele não consegue mais segurar as lágrimas. Quantas pessoas não se identificam com a emoção dele?

Quando a saudade é vestida de angústia e cola na alma como uma ferida que não cicatriza, vale a pena investir num encontro íntimo com esse sentimento. Pensar, escrever, falar, refletir, fazer uma oração e, se necessário, chorar, podem ser o caminho para matá-la, para encontrar a saída dessa prisão. E aceitar que na nossa jornada nem tudo é perfeito. "A vida tem lacunas. Mas nem por isso devemos escapar do presente. O presente é real, é faltante, é conflito. Olhamos para ele com muita concretude, vemos as falhas. Só que há coisas boas no presente, que nos alimentam, motivam e conduzem a um sentimento de esperança em relação ao futuro", resume a psicanalista Maria Vilela.

Não podemos perder tempo desperdiçando o aqui e agora, pois, como a filosofa Ivone Gebara bem observa, "marcas e rastros estão sendo deixados como novas heranças saudosas. Tecemos, hoje, as futuras saudades". Sempre fecho a minha caixa de recordações sentindo gratidão por tudo o que vivi. E saio do meu mundo de saudades deixando a minha vida livre, para que ela escreva nossas histórias.



(texto publicado na revista Vida Simples edição 165 - dezembro de 2015)