sábado, 15 de dezembro de 2012

Infância apimentada - José Geraldo Couto


Texto publicado na revista Bravo

Você sabia que foi a mãe de Branca de Neve quem mandou matá-la? E que Rapunzel ficou grávida de gêmeos? Os contos para criança dos irmãos Grimm são agora publicados sem cortes no Brasil

Todos conhecem os contos infantis dos irmãos Grimm, ou pelo menos os mais famosos Branca de Neve, a Bela Adormecida, João e Maria, Rapunzel. Mas essa histórias - em sua maioria recolhidas da tradição oral e publicadas também por outros autores, como o francês Charles Perrault (1628-1703) - chegaram aos leitores brasileiros em adaptações amenizadas e edulcoradas. Agora, 86 narrativas, publicadas em 1812 na Alemanha pelos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), saem no Brasil em uma tradução fiel e na versão integral. O livro, lançado pela Cosac Naify, tem um atrativo adicional: é ilustrado pelo xilogravurista e cordelista pernambucano J. Borges.

Certos relatos surpreenderão os leitores habituados às edições condensadas e às versões da Disney. A maioria das modificações perpetradas ao longo dos séculos foi no sentido de suavizar a violência e minimizar o substrato sexual das narrativas originais. Alguns exemplos são particularmente eloquentes. No livro de 1812 dos Grimm, quem manda matar e esquartejar Branca de Neve não é sua madrasta, e sim sua própria mãe, que ainda por cima diz ao caçador encarregado da tarefa: "Para provar que cumpriu minhas ordens, traga-me seu pulmão e seu fígado, que eu vou cozinhar no sal e comer". Já a meiga Rapunzel é engravidada pelo príncipe que a visita em segredo. Na versão mais difundida, a bruxa que a mantém presa no alto da torre descobre a existência do namorado da moça quando esta diz, distraidamente, que ele era mais fácil de puxar para cima do que a própria feiticeira. No relato original, a gravidez avançada de Rapunzel é denunciada por suas roupas cada vez mais apertadas. E ela dá à luz dois gêmeos.

Os irmãos Grimm, que foram também linguistas, filólogos e folcloristas, tiveram um sucesso crescente ao longo do século XIX e rapidamente foram traduzidos para diversas línguas europeias. Nas reedições que fez, a própria dupla tratou de expurgar passagens mais brutais ou picantes. Em pelo menos um caso célebre, os dois suavizaram uma história já conhecida anteriormente. No conto Chapeuzinho Vermelho, tal como publicado por Perrault nos Contos da Mamãe Gansa (1697), a avó e a menina eram devoradas, sem final feliz. Foram os irmãos alemães que introduziram o caçador, que abre a barriga do lobo e resgata as duas ilesas.

O encanto duradouro e universal dos contos infantis - que no século XX se estendeu ao cinema, ao rádio, à televisão, às histórias em quadrinhos e até aos jogos eletrônicos - inspirou estudos e reflexões de pensadores como o semiólogo russo Vladimir Propp, o filósofo alemão Walter Benjamin e o psicanalista suíço Gustav Jung. E, conforme observa Marcus Mazzari, professor de teoria literária na Universidade de São Paulo, em sua introdução à edição da Cosac Naify, as narrativas dos Grimm foram retrabalhadas, discutidas ou glosadas por escritores modernos do porte de Thomas Mann, Bertold Brecht e Günther Grass. Hoje parece indiscutível que as ficções desse gênero cumpram um papel importante na formação da psique infantil, dramatizando conflitos internos inerentes ao processo de crescimento do indivíduo. Para Jung e seus seguidores, personagens de contos de fadas encarnam figuras arquetípicas presentes no inconsciente coletivo, retratando uma espécie de essência imutável do ser humano.

A seguir a versão do Rei Sapo escrita pelos irmãos Grimm.

Era uma vez a filha de um rei que entrou no bosque e sentou-se à beira de um poço de água fresca. Ela se divertia jogando uma bola de ouro, seu brinquedo predileto, para o alto e pegando-a no ar. Numa das vezes, ela arremessou a bola alto demais e estendeu as mãos com os dedos dobrados para apanhá-la, mas a bola escapou, quicando no chão ao seu lado, e acabou rolando para dentro da água.

Assustada, a filha do rei tentou avistar a bola, mas o poço era tão fundo que não se via o chão. Então ela começou a chorar muito e a se lamentar: "Ai, ai, eu daria tudo para ter minha bola de volta: minhas roupas, minhas pedras preciosas, minhas pérolas e tudo que eu possuísse no mundo". Enquanto ela se queixava, um sapo espichou a cabeça para fora da água e disse: "Filha do rei, por que você se lamenta tanto?" "Ai, seu sapo asqueroso, como você poderia me ajudar! Minha bola de ouro caiu no fundo do poço", disse ela. O sapo então disse: "Suas pérolas, suas pedras preciosas e seus trajes não me interessam, mas, se você me aceitar como seu companheiro e permitir que eu me sente ao seu lado e coma de seu pratinho dourado, que eu durma na sua caminha e me tratar bem e me amar, trarei sua bola de volta". Mas que conversa é essa, a desse sapo imbecil?, pensou a filha do rei, ele não pode sair de dentro da água, mas talvez ele possa buscar minha bola, então simplesmente vou dizer sim. E assim o fez: "Por mim, primeiro busque minha bola de ouro, e tudo está prometido". O sapo afundou a cabeça na água, mergulhou fundo e, sem demora, voltou à superfície com a bola de ouro na boca, arremessando-a para fora do poço. Ao rever sua bola de ouro, a princesa foi correndo pegá-la, e estava tão feliz em tê-la novamente em suas mãos que não pensou em mais nada a não ser em voltar para casa. O sapo gritou, chamando: "Espere, filha do rei, me leve com você, como prometeu". Mas ela não lhe deu ouvidos.

No dia seguinte, a princesa estava sentada à mesa quando ouviu alguma coisa subindo a escadaria de mármore, splesh, splash, splesh, splash! Logo em seguida, ouviu baterem na porta e alguém chamando: "Filha mais nova do rei, abra a porta!" Ela foi correndo abrir a porta e lá estava o sapo, de quem já tinha se esquecido. Muito assustada, ela bateu a porta afobada e voltou a sentar-se à mesa. O rei, porém, percebeu seu coração disparado e perguntou: "Você está com medo de quê?" "Tem um sapo asqueroso ali fora", disse ela, "ele tirou minha bola de ouro do poço e em troca eu prometi ser sua companheira, mas eu jamais imaginei que ele pudesse sair da água, só que agora ele está ali na porta e quer entrar". Em seguida, o sapo bateu na porta uma segunda vez e chamou (...) O rei então disse: "O que você prometeu, tem de cumprir. Vá abrir a porta para o sapo". Ela obedeceu e o sapo entrou aos pulos, seguindo seus passos até a cadeira. Quando ela voltou a se sentar, ele pediu: "Agora me coloque em uma cadeira ao seu lado". A filha do rei não queria, mas o rei obrigou que ela o fizesse. Quando estava sentado, o sapo disse: "Agora me passe o seu prato dourado, quero comer junto com você". Também isso ela teve de fazer. Depois de satisfeito, o sapo disse: "Agora estou cansado e quero dormir, me leve ao seu aposento, prepare sua caminha para que possamos deitar". Ao ouvir tais palavras, a filha do rei ficou apavorada, pois tinha nojo do sapo frio, não tinha coragem de tocá-lo, e agora ele queria dormir na cama dela. Ela começou a chorar e se recusou. Furioso, o rei ordenou que ela cumprisse o que havia prometido e não o desonrasse. Não tinha jeito, ela tinha de satisfazer a vontade do pai, mas sentia imensa raiva em seu coração. Pegando o sapo com dois dedos, levou-o ao seu quarto, deitou-se na cama e, em vez de colocá-lo ao lado dela, atirou-o contra a parede, ploft. "Pronto, agora você vai me deixar em paz, sapo asqueroso!"

Mas o sapo não morreu e antes de cair se transformou num belo e jovem príncipe. Este sim, era seu querido companheiro e, cumprindo a promessa, os dois adormeceram felizes lado a lado. Na manhã seguinte, uma esplêndida carruagem com oito cavalos encilhados, espanada e brilhando feito ouro aguardava do lado de fora, conduzida por Henrique, o criado do príncipe, que, de tanto sofrimento por ver seu príncipe transformado em sapo, amarrara três correntes de ferro no peito para que seu coração não explodisse de tristeza. O príncipe embarcou com a filha do rei na carruagem e o fiel criado conduziu-os para casa. Depois de terem percorrido um trecho, o príncipe ouviu um tremendo estrondo atrás de si e, ao voltar-se, gritou: "Henrique, a carruagem está arrebentando!" (...)

O principe ouviu o estrondo uma vez mais e outra ainda, e pensou que a carruagem estivesse se partindo, mas eram apenas as correntes do coração do fiel Henrique se soltando porque seu patrão agora estava salvo e feliz.



(Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, de Jacob e Wilhelm Grimm)



A minha colega e amiga Aninha me deu de presente o seguinte sapo, que veio diretamente da Alemanha.  Ao colocarmos água dentro do recipiente ele se transforma em um príncipe. Ainda não fiz a experiência porque acho o sapo muito fofo e por enquanto vou deixá-lo assim.

























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